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Charlotte Mason Métodos Montessori

Charlotte Mason sobre o método Montessori

Para o editor do “The Times”.

Senhor, o distinto artigo sobre “O Método Montessori”, no Suplemento Educacional do The Times de 6 de novembro, me encoraja na tentativa de despir os princípios envolvidos neste método interessante de acessórios vistosos, como o comportamento agradável e a limpeza pessoal das crianças. Todos nós nos esforçamos para garantir esses fins e devemos agradecer à Dra. Montessori por nos mostrar um caminho. Mas sejamos honestos; essas crianças sabem ler e escrever com quatro ou cinco anos, enquanto em nosso método oito é a idade usual (e desejável) em que essas realizações são dominadas. É isso que nos atrai em seu método. Entretanto, continuamos com a falácia de que ler e escrever significa educação. Quando essas são, na verdade, artes mecânicas, não mais educativas do que o domínio da taquigrafia ou do Código Morse. Pensamos ter encontrado um modo de ganhar dois ou três anos na vida escolar das crianças ao finalizar este trabalho primário em uma idade precoce. Mas nada disso é novidade. Soubemos que meninos em um gueto russo aprendem hebraico muito rapidamente, porque não há mais nada para aprender. Este é o segredo que todos os treinadores de animais, acrobatas, prodígios musicais, conhecem; assegure a concentração em um ponto deixando de lado todas as outras atividades e interesses, e você poderá fazer com que as crianças façam quase tudo; sua mente trabalhará por necessidade. Se for possível focar o trabalho em uma direção, suas mentes trabalharão por necessidade. Uma criança de cinco anos pode ler grego, compor sonatas ou ler e escrever, se você assegurar que seus esforços sejam direcionados a uma única direção.

Deixando de lado a conduta charmosa e bela, a limpeza pessoal e o rápido progresso das crianças nas artes fundamentais da leitura e da escrita, uma vez que tudo isso é geralmente alcançado por meios semelhantes – a observação amigável de pessoas cultas, a persuasão moral e a concentração em um fim único – que princípios sobraram para a nossa imitação e admiração? Não consigo descobrir um princípio, mas apenas uma prática – aprender os contornos das letras e outras formas pelo tato, em vez de pela vista. É difícil ver por que, o tato, o menos preciso e ativo dos dois sentidos deva ser usado preferencialmente; e as crianças vendadas que tocam e sentem as formas das letras lembram o famoso veredicto –

“Sempre que o Nariz coloca seus óculos, à luz do dia ou à luz de velas, os olhos devem estar fechados.”

O leitor pode tentar por si mesmo. Toque os objetos mais fáceis que ofereçam um contorno, sua própria boca ou narina, por exemplo. Depois de muito tocar pacientemente, você não produz nenhuma imagem disso a menos que a própria memória o traia, oferecendo uma imagem e dizendo o que aquilo é. Mas, possivelmente, se você “tocasse” determinados objetos por tantos minutos a cada vez, dia após dia e mês após mês, poderia finalmente ser capaz de desenhar uma boca ou escrever a letra “m”. No início, o ato de tocar é cansativo, mas torna-se calmante e um estado de grande sensibilidade é estabelecido; se torna um pouco hipnotizador, e as fotografias de crianças italianas e americanas mostrando este ato de tocar parecem mostrar que um estado hipnótico foi induzido.

Sabemos que a sugestão hipnótica é usada em algumas escolas europeias para promover o trabalho educacional; e aqui, possivelmente, obtemos a chave para a súbita realização da arte de escrever, tão agradável de sabermos. Mas é aqui que reside o perigo; muito docilmente a criança torna-se a pessoa dócil cuja força de vontade se enfraqueceu, cujo cérebro se esgotou, até que ela seja pouco capaz de autodirecionar sua própria vontade. O próprio fato de induzir em crianças ansiosas e ativas o hábito do contínuo “toque tátil” parece indicar que uma influência indevida foi exercida, seja a influência do ato de tocar, seja a influência da vontade de outra pessoa.

Alega-se que “aliviar e descansar os olhos por meio do desenvolvimento e uso contínuo do sentido do tato” é um recurso educacional valioso; mas é bom indagar primeiro se praticar esse sentido dessa forma é seguro. O cego aprende a ler pelo tato e, se esse “método” for levado às escolas para crianças mais velhas, todos precisaremos de livros para cegos; mas a vontade do cego não precisa de incentivos para aprender, porque seu forte propósito e sua forte necessidade em aprender Braille se soma a seu esforço do toque tátil e anula qualquer efeito hipnótico do ato de aprender Braille. Não podemos colocar nossos filhos ou nós mesmos nessa condição, e por que deveríamos? Ora, o olho é fortalecido pela luz e pelo uso natural e enfraquecido pela escuridão e pela falta de uso.

O método Montessori é um esforço entre muitos feitos no interesse da “pedagogia científica”. Uma pessoa diria: “Não acredito que exista tal coisa.” Ela estaria certa se o fizesse? Acho que sim, embora todo avanço que façamos seja na direção da Pedagogia Científica. O que estamos dizendo é, praticamente, “Desenvolva os sentidos da criança, e uma criança será educada; treine suas mãos e seus olhos e ela poderá ganhar a vida. O que mais você quer?” Mas uma criança assim treinada não está sequer no nível dos índios sobre os quais lemos em nossa infância; seus sentidos não são de forma alguma tão aguçados e o índio pelo menos cresceu com canções e danças, contos e lendas, e cedo desenvolveu uma filosofia, até mesmo uma religião.

A criança Montessori não tem essas oportunidades; ela aguça um único sentido, com certeza, às custas de outro sentido mais elevado, mas não há uma pintura gradual de um pano de fundo vivo para sua vida; nenhuma fada brinca com ela, nenhum herói agita sua alma; Deus e os bons anjos não fazem parte de seus pensamentos; a criança e a pessoa que ela se tornará são um produto científico, o resultado de muito toque tátil e de alguma visão e audição; pois o que a ciência tem a ver com essas entidades intangíveis e difíceis de imaginar ​​chamadas “ideias”? Não, deixe as crianças combinarem formas com formas e cores com cores; músicas e pinturas, hinos e histórias podem ser jogadas fora como uma “sucata educacional”.

Estamos todos muito gratos à amável senhora italiana que demonstrou que a cortesia e a consideração revelam a dignidade e a graça que pertencem a todas as crianças, que os direitos das crianças incluem o direito à liberdade na autoeducação e que todo ser humano é precioso e digno de honra, especialmente quando este ser humano é uma criança. Mas estou inclinada a pensar que todas as nossas admirações param por aí, recaindo apenas sobre essas três categorias, e que os materiais e equipamentos elaborados e caros, o uso dependente do tato a despeito da visão e o desenvolvimento dos sentidos excluindo tudo mais, são erros graves.

A discordância é profunda. O homem é um ser material cujo cérebro secreta pensamentos da mesma forma que o fígado secreta bile, ou o corpo é o órgão ou o receptáculo material e espiritualmente informado e afinado de um ser imaterial (a alma), de quem foi dito: –

A escuridão pode limitar seus olhos, não sua imaginação. Mesmo confinado à cama, ele pode estar, como Pompeu e seus filhos, em todos os quadrantes da Terra. Ele pode desfrutar do Universo dentro de sua própria mente”?

A pessoa que educa uma criança deve agir de acordo com uma ou outra dessas premissas: ou o homem é um ser apenas material ou não; não há meio-termo e nenhum detalhe insignificante na educação das crianças ficará fora disso, mas deve ser ordenado de acordo com um ou outro desses princípios fundamentais. Um é o método da pedagogia científica, o outro o da pedagogia humana. O cultivo dos órgãos dos sentidos e da atividade muscular pertence a ambos, mas o fundamento lógico é diferente em cada caso. Para dar um único exemplo, o pedagogo científico (designação horrível!) permite que uma criança classifique uma infinidade de barras em cores e tons de cor, com uma vaga fé de que talvez seu cérebro esteja ocupado em secretar pensamentos deliciosos sobre vários e belos objetos coloridos. O professor humanista, que tem uma psicologia própria, sabe que a criança com as barras está pavimentando mentalmente a sala da escola, a rua, a cidade, o mundo inteiro, com quadradinhos de cor. Portanto, se ele decide ensinar tudo o que as crianças aprenderiam de qualquer forma, ele não dará esses objetos artificiais e sim objetos do mundo real. Ele dá a uma criança folhas e flores, contas (miçangas), remendos de seda e veludo, coisas que carregam associações e são capazes de gerar ideias. E então a criança poderá fazer mais do que pavimentar ruas, mas fazer uma torre maravilhosa, no meio de “jardins iluminados com riachos sinuosos e folhas avermelhadas”. O humanista sabe que a lição é um fragmento de material que uma criança usa para ajudá-la a entender e a especular sobre o universo e que, portanto, uma lição só é proveitosa quando se presta ao pensamento e à imaginação. Um artista encarregado da escultura em madeira e da escultura em pedra de um grande edifício queixou-se a mim de que não conseguia encontrar homens com qualquer iniciativa para trabalhar com ele. “Como devo fazer isso?”, eles perguntavam a ele. O artista respondia: “Faça como quiser.” Mas os assistentes não conseguiam pensar em nada. Eles tinham as habilidades manuais necessárias, mas foram criados com dietas mentais desprovidas de ideias.

Um grande perigo ameaça o país e o mundo. Estamos perdendo a fé nas ideias e substituindo os princípios por práticas. Como já disse em cartas anteriores ao Times, a tendência da educação popular hoje é o desprezo pelo conhecimento e pelos livros nos quais o conhecimento da humanidade está alojado. A “educação por meio das coisas” (objetos didáticos, sensoriais, manipuláveis) é corajosamente defendida, independentemente do princípio de que as coisas conduzem apenas a mais e mais coisas diversas e não têm efeito nos pensamentos e, portanto, no caráter e na conduta de uma pessoa, exceto no que diz respeito à produção ou à análise de coisas semelhantes. Um menino pode produzir com precisão modelos artificiais em papelão ou madeira; se ele já é um menino hábil e cuidadoso desde o início, essas qualidades o ajudarão em seu trabalho futuro; mas se ele conseguiu aprender contra suas tendências naturais a realizar um bom trabalho, o que ele aprendeu só o ajudará nesse trabalho específico. O artesanato aumenta a alegria de viver, talvez nos ajude a encontrar um emprego, mas não é educativo no sentido de influenciar o caráter. Portanto, a criança não deveria fazer trabalhos manuais e artesanatos (como ordenar cubos e cilindros em tamanhos, ou barras em cores, por exemplo) que não tenham utilidade prática ou beleza em si. Porque uma criança é uma pessoa e sua educação deve torná-la uma pessoa melhor; porque as ideias que inspiram um caráter melhor são encontradas nos livros, na arte, na música etc; porque não há pessoas suficientes de bom caráter e bom senso – por essas e outras razões, penso que qualquer método educacional que rejeite o conhecimento em favor de equipamentos e exercícios científicos é desastroso, por mais contentes e bem comportadas pareçam as crianças. O conhecimento é a única alavanca pela qual o caráter é elevado, a única dieta na qual a mente é sustentada.

Atenciosamente,

Charlotte M. Mason.

Traduzido e adaptado do original disponível aqui.

 

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