Charlotte Mason, Parent's Review, Pré-escola

Pensamentos e sugestões sobre educação infantil

Começaremos por dizer o que é geralmente considerado como uma verdade, a saber, que o aprendizado baseado em livros é apenas uma pequena parte da verdadeira educação; as exigências completas desta são muito variáveis. Além da obediência, precisamos cultivar o autocontrole, a reverência, o respeito pela autoridade, o poder da concentração, a habilidade de observar e de absorver as qualidades e o aspecto dos objetos naturais à nossa volta; dedicação às obrigações e entusiasmo; ternura, simpatia e compaixão. Para alguns, estes três últimos parecem espontâneos.

Os pais deveriam, primeiramente, ensinar aos filhos a obediência. Uma persistência moderada com grande bondade irá se mostrar mais efetiva. Crianças pequenas não devem ficar ansiosas; elas se sentirão muito intimidadas por uma firmeza constante. Se aquela abordagem for mantida por um curto tempo, o hábito começará a germinar. Parece-me que, com algumas crianças, é benéfico puni-las por desobediência ao invés de persistir e exigir o cumprimento de uma ordem. Mas isso se faz necessário apenas se as crianças forem notadamente obstinadas e teimosas; e é sempre aconselhável evitar ordens muito autoritárias, as quais podem gerar resistência. Autocontrole pode ser ensinado a crianças bem novas, primeiramente desviando a atenção delas e, depois, incentivando-as a serem corajosas.

Crianças precisam ter compaixão. Isto ajudará a despertar nelas amor, reverência e respeito pela autoridade. Até que as crianças estejam em determinado nível de disciplina, não deveria haver pressa alguma para com elas, se assim for possível. Elas precisam ser tratadas de forma vagarosa e gentil. Mas, aos poucos, deve-se ensiná-las que não há mais espaço para este tipo de tratamento, o qual elas já teriam superado, e devem obedecer prontamente e fazer uso do autocontrole.

O autocontrole será exigido a respeito dos brinquedos, jogos e todos os tipos de assuntos triviais, se as crianças estiverem na companhia de outras crianças. Uma explicação calma sobre a sabedoria e o valor do autocontrole pode ser útil para crianças pequenas, não no momento em que elas estão perdendo o autocontrole, mas posteriormente, quando o problema tiver passado, ou, talvez, quando elas provavelmente estiverem correndo o risco de serem tentadas de alguma forma. Permita que essa conversa se dê em segredo, e ela não deve ser muito longa. Apenas algumas palavras enfáticas serão suficientes.

A reverência deve vir daqueles que estiverem ao redor das crianças, daquilo que elas veem e ouvem. Elas certamente ouvirão estórias de homens e mulheres bons e corajosos, e de boas ações as quais despertarão nelas grande admiração pelos heróis.

A habilidade de observação deve ser desenvolvida cedo. Há muitas coisas com as quais as crianças se encantam. No interior, há frutas, flores e animais; até mesmo na cidade, há muito o que entretê-las. Há, certamente, jardins para serem vistos, e há sempre o sol, a lua, as estrelas e as nuvens. Além disso, haverá visitas ao mar e ao interior. Mas parece-me que, por muitos anos, a mente jovem dessas crianças não precisa trabalhar vigorosamente; suas mentes devem abrir vagarosa e gradualmente, para não serem forçadas excessivamente, correndo o risco de o aprendizado adquirido ser prejudicado por indisposições. Tudo isso diz respeito aos pais. Eles devem, sem dúvida alguma, ser auxiliados pelas escolas e professores; não deverão, no entanto, abrir mão de sua própria parte na educação de suas crianças.

Certamente, o ensino por professores treinados da escola infantil é mais importante e útil para mães que estejam totalmente ocupadas, e que tenham casas pequenas e muitas tarefas. No entanto, há desvantagens para crianças menores, em especial para as mais frágeis. Seria muito útil se houvesse turmas para instruir meninas que queiram ser tutoras ou babás nos jardins de infância. Uma eventual visita de uma professora experiente poderia manter as jovens no caminho certo; e uma pequena taxa poderia cobrir os custos. Uma escola infantil bem estabelecida em uma cidade grande não poderia fazer um trabalho como esse? Ou um amplo internato não poderia formar uma turma para as meninas mais velhas, na qual seriam ensinados os princípios e a forma de lidar com as crianças tanto teoricamente quanto na prática? As turmas nas escolas infantis mostrariam o trabalho na prática. Um treinamento de 3 ou 6 meses seria de grande valor, e, posteriormente, as meninas lidariam com as situações com mais facilidade, seja como tutoras ou como babás. Eu soube que esse programa tem sido adotado na Alemanha. Tenho certeza de que muitos pais prefeririam deixar que suas tutoras aprendessem, ou contratar babás que tenham sido treinadas, a mandar suas crianças para as escolas. O ir e vir dificulta as coisas. Frequentemente, as crianças não podem ser enviadas regularmente, e a agitação de estar com muitas pessoas costuma ser prejudicial.

É desejável que crianças comecem cedo a aprender línguas estrangeiras – seus órgãos são flexíveis e podem formar novos sons com facilidade; elas devem aprender a falar e ler em inglês e mais uma língua estrangeira, entre quatro e sete anos, ou oito. É muito importante assegurar-lhes uma boa pronúncia. A gramática pode ser deixada de lado em um primeiro momento, e mais tarde, talvez com seis anos, a gramática do francês e a gramática do inglês podem ser ensinadas juntas. As diferenças entre as duas línguas podem se tornar um divertimento. Há muitos pequenos livros de estórias que são bons. Devo mencionar aqueles da “Rose Series”, a serem encontrados na “Hachette’s”, em Londres, e é provavelmente lá que bons livros alemães serão encontrados. Se as crianças não adquirem cedo a facilidade de falar outra língua, será mais difícil de fazê-lo mais tarde, e, além disso, uma língua normalmente ajuda na aquisição de outra. Nesses dias em que as pessoas viajam muito, um conhecimento de línguas parece indispensável. Estas tendem a unir diferentes nações, uma vez que a comunicação irá ensiná-las a entender melhor uma à outra, e podemos esperar acabar com os preconceitos. Não conhecemos um país e não entendemos seu povo simplesmente passando apressadamente por ele. Precisamos nos tornar familiares às pessoas por meio das relações sociais. Se as crianças aprenderem cedo a pronúncia correta, e se elas adquirirem vocabulário, elas poderão compreender mais facilmente, e isso deve ser feito quando são novas. A parte gramatical da língua pode ser estruturada quando as crianças forem mais velhas e mais capazes de adentrar o assunto. É difícil cobrir inteiramente as duas primeiras partes nas escolas. Algo deve ser feito em casa antes.

Quando as crianças atingem a idade de sete anos, ou até mesmo antes, é de grande proveito ler para elas livros de história, aventura e de viagem. Os pais podem escolher o que for melhor e omitir o que for indesejável. Dessa maneira, eles poderão trazer para suas crianças o que há de melhor e mais importante nas vidas dos grandes homens e, então, explicar qual é o outro lado da história. Por enquanto, talvez, possamos ressaltar o lado bom das coisas, apesar de não devermos prosseguir camuflando o que há de perverso e espantoso. Parece-me que, no que diz respeito à leitura referente à religião, é melhor começar com a Bíblia e não com estórias da Bíblia. A linda linguagem da Bíblia e as narrativas comoventes ficam profundamente gravadas nas mentes das crianças. Hinos também são muito importantes e muito úteis.

Geografia pode ser ensinada facilmente para as crianças menores fazendo uso de mapas e por meio de conversas. O interesse em países variados pode ser incentivado dando a elas uma descrição da paisagem, dos modos e costumes das pessoas, o estado delas nos tempos passados, a presente forma de governo, o clima e as diferentes criações e produções. A história de cidades extraordinárias e pessoas famosas também faz parte das lições. Será suficiente dar início a estudos mais definidos quando as crianças tiverem com nove ou dez anos. É melhor deixá-las adquirir um interesse genuíno em diversos assuntos e dar-lhes tempo para descobrir seus gostos. Música e desenho podem ser iniciados para saber se seria vantajoso continuar a cultivar tais artes; mas, uma vida feliz e tranquila é o melhor começo para crianças menores. As crianças geralmente sofrem bastante; elas frequentemente precisam combater falhas e inclinações muito sérias. Se os pais puderem zelar pelas crianças cuidadosamente e ensiná-las a forma correta de combater e superar aqueles defeitos, será uma grande benção e auxílio nos anos futuros. Há muito mais para se dizer, em especial sobre o ensino religioso, mas este é um assunto extenso para o presente artigo.

Autora: Miss Clough, Parent’s Review (Volume 1)

Tradução: Manuela Valarse, para o site “Santa Zélia, Mestra

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